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Os limites da negociação de benefícios na colaboração premiada pós Lei Anticrime

O Pacote Anticrime provocou grandes alterações no instituto da colaboração premiada, algumas delas já abordadas neste site. Uma das mais substancias, contudo, foi a limitação dos benefícios a serem concedidos ao pretenso colaborador.

O tema principal da primeira edição do meu livro publicado aqui na EMais é a defesa da possibilidade de negociação de benefícios extralegais ao colaborador. À época em que escrevi o livro, a Lei n. 12.850/13 nada dizia expressamente sobre até onde se poderiam negociar os prêmios, e a realidade dos acordos de colaboração premiada firmados na Operação Lava Jato era a de benefícios muito além dos previstos no caput e §§ 4º e 5º do art. 4º da Lei n. 12.850/13 –  perdão judicial, redução da pena privativa de liberdade em até 2/3, substituição por restritiva de direitos, progressão de regime ou não oferecimento da denúncia.

Como eu gosto muito de fazer na minha vida acadêmica e profissional, na obra eu aliei teoria à prática e, com base no que já tínhamos de acordos homologados pelo Judiciário, portanto, produzindo efeitos no mundo jurídico, na ausência da limitação por parte do legislador em fixar que o rol de benefícios seria taxativo e aguardando o posicionamento do STF sobre o tema, que até hoje não foi decidido, eu sustentei que poderíamos negociar benefícios penais e extrapenais para além dos previstos em lei, desde que mais benéficos ao colaborador e dentro dos limites constitucionais e do Estado Democrático de Direito.

Tema bem polêmico. Que continua ainda muito polêmico, porque a Lei Anticrime alterou a Lei n. 12.850/13 para nela inserir o seguinte inciso no sétimo parágrafo: 

§ 7º Realizado o acordo na forma do § 6º deste artigo, serão remetidos ao juiz, para análise, o respectivo termo, as declarações do colaborador e cópia da investigação, devendo o juiz ouvir sigilosamente o colaborador, acompanhado de seu defensor, oportunidade em que analisará os seguintes aspectos na homologação: […]

II – adequação dos benefícios pactuados àqueles previstos no caput e nos §§ 4º e 5º deste artigo, sendo nulas as cláusulas que violem o critério de definição do regime inicial de cumprimento de pena do art. 33 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), as regras de cada um dos regimes previstos no Código Penal e na Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal) e os requisitos de progressão de regime não abrangidos pelo § 5º deste artigo; 

Resumindo: todo benefício que vá além daqueles previstos em lei será considerado ilegal.

Achei bastante radical e temerosa a opção feita pelo legislador, que, na minha opinião, retira quase que por completo a utilidade do instituto da colaboração premiada. Isso porque o instituto possui uma complexidade enorme inerente a si mesmo. É uma técnica de investigação e um meio de obtenção de prova que serve para casos excepcionais, em que o Estado por si só não conseguiu obter provas dos delitos cometidos por uma organização criminosa. 

E além da sua excepcionalidade, é uma negociação de alto risco, com consequências inimagináveis em várias esferas, tanto na persecução penal e na forma de atuação dos representantes do Estado, quando na vida pessoal, profissional e social do pretenso colaborador.

Aquele que decide colaborar com a justiça automaticamente assume uma posição de exposição tão grande e arriscada que, para que se sinta seguro dessa decisão, é preciso que haja uma negociação contundente e real dos benefícios que se enquadre às especificidades do caso concreto e da pessoa do colaborador, capaz de estimulá-lo a tomar a decisão de se expor e colaborar com a Justiça, confessando a prática criminosa e entregando provas dos delitos cometidos. 

A partir do momento que se retira essa liberdade negocial das partes com uma vinculação engessada ao que está expressamente previsto em lei, eu penso que estamos violando toda a essência do instituto – que é a autonomia da vontade das partes, a lealdade, a confiança e a boa-fé.

Por isso discordo da limitação tão taxativa feita pela Lei Anticrime. Sempre defendi que a colaboração premiada precisava sim de melhor disciplina legal e maiores limitações, como foi feito também pela Lei Anticrime, de forma acertada, ao ampliar a regra de corroboração, por exemplo, tema que já tratei em coluna anterior.

Mas com a redação do inciso II do §7º, sinceramente não sei como será o futuro da colaboração premiada na prática. 

Como diz o mestre Alexandre Morais da Rosa, o mercado da colaboração se encontra desaquecido. Estamos de olho para ver se ele voltará a esquentar ou não.

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