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Para quê serve o distinguish no processo penal?

Muito se critica a transposição de conceitos do processo civil para o processo penal. Há muita razão na doutrina para a crítica, pois, além de serem regidos por códigos completamente diferentes entre si, o objeto de cada processo também difere, daí a importância da independência de cada esfera processual.

Porém, o Direito não deve ser separado em caixinhas que nunca se comunicam. Boas práticas que levam a uma melhor prestação jurisdicional e geram mais segurança jurídica devem servir de exemplo para todas as áreas, e não permanecerem num universo restrito. 

Em 2015, o processo civil brasileiro levou uma guinada com a sanção do Novo Código de Processo Civil, pautado em anos de estudos, que incorporou à lei brasileira uma série de novos institutos e figuras processuais, capazes de conceder maior aplicabilidade à preceitos constitucionais, inclusive.

Um deles é o § 1º do art. 489 do CPC, que trata sobre a fundamentação de decisões judiciais. Importantíssimo, pois, em que pese o inciso IX do art. 93 da Constituição Federal falasse sobre a necessidade de fundamentação das decisões judiciais desde 1988, não havia previsão específica sobre o que seria necessário para que se considerasse uma decisão suficientemente fundamentada. 

Seguindo o bom exemplo do processo civil, o legislador, escolheu, acertadamente, reproduzir na íntegra o parágrafo mencionado no Código de Processo Penal, por meio da Lei Anticrime. O dispositivo se encontra no § 2º do art. 315. Minha única crítica é que ele poderia ter sido inserido no Título XII, “Da Sentença”, e não no Título IX, Capítulo III, que fala da Prisão Preventiva, justamente para não gerar polêmicas desnecessárias, devido a magnitude da previsão legal.

Fora isso, em linhas gerais, podemos dizer que toda decisão judicial na esfera penal, para ser considerada como fundamentada, não poderá se limitar a indicar, reproduzir ou parafrasear ato normativo sem explicar a sua relação com a causa; não poderá empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar porque incidem no caso; não poderá utilizar motivos genéricos que servem para qualquer decisão; terá que enfrentar todos os argumentos que constam no processo e são capazes de modificar a conclusão do julgador; não poderá invocar precedente ou súmula sem identificar porque se adequa ao caso concreto; e, por fim, caso não siga precedente, súmula ou jurisprudência trazida pela parte, terá que identificar os fundamentos do porquê não o está aplicando. 

Para o leitor que não está acostumado com o processo penal brasileiro, ao ler o parágrafo acima, poderá se perguntar se isso não é o mínimo a ser feito pela Justiça. O que eu super concordo. O problema é que o mínimo não era feito. Prisões foram decretadas e pessoas eram condenadas por práticas criminosas por meio de decisões judiciais simples, insuficientes, genéricas. Por isso a relevância de tudo isso agora ter força de lei, também no processo penal. 

E o que isso tem a ver com o distinguish? Distinguish é um termo em inglês utilizado há muito pela doutrina processualista civil, que, em tradução literal, significa distinguir. Resumidamente, o distinguish pode ser realizado pelas próprias partes, para contestar precedente/súmula/julgado trazido pela parte contrária ou, principalmente, utilizado pelo julgador para decidir o caso concreto, com fundamento no inciso VI do § 2º do art. 315. Na prática, significa fazer uma análise detalhada entre o caso concreto e caso citado como paradigma, para demonstrar suas semelhanças e diferenças. 

Quanto mais semelhantes forem os casos, maior a chance do entendimento ser seguido. Porém, a depender da diferença, mesmo que seja só uma, pode ser o suficiente para afastar a aplicação do precedente. E caso o julgador não siga o entendimento suscitado, ele tem o dever de fazer a devida distinção entre os casos e explicar o porquê. 

Hoje temos um cenário em que está prevista em lei a necessidade de fazer a distinção entre uma jurisprudência citada e o caso concreto. O que é muito significativo, pois temos uma tendência a simplificar os entendimentos jurisprudenciais, lendo apenas as ementas dos julgamentos, não buscando ir a fundo nos casos, ver as suas particularidades e assim entender porque o julgador decidiu daquela forma. Por isso existem tantas decisões diametralmente opostas em casos em que se deveria ter decidido da mesma forma.

Agora o que nos resta é estudar bastante processo penal, entender bem o distinguish e aplicá-lo, principalmente quando estamos tratando sobre a vida e a liberdade de alguém nas mãos de uma decisão judicial, que não deve ser superficial, e sim, o mais fundamentada possível para garantir a segurança jurídica que a sociedade merece.

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