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Qual a extensão da confissão no acordo de não persecução penal?

Vou começar a coluna de hoje com duas definições extraídas do dicionário Michaelis:

Circunstancial:  

1 Relativo a circunstância.

2 Que contém uma circunstância ou dela depende, mas que, apesar de relevante, não é essencial; casual, episódico, incidental: Esses relatos contêm apenas fatos circunstanciais que nada esclarecem.

3 Que indica circunstâncias variadas de ocorrência (lugar, tempo, modo): Complemento circunstancial. Oração circunstancial.

4 Que se baseia em indícios (diz-se de prova).

Circunstanciado(a):

Enunciado com todas as circunstâncias; pormenorizado.

Quando possuo alguma dúvida pontual ou interpretativa, sempre gosto de procurar a fonte original para resolvê-la. E nesse caso, a minha dúvida era jurídica, mas a minha resposta estava num dicionário da língua portuguesa.

A exigência da confissão no acordo de não persecução penal (ANPP) é, sem dúvidas, uma das maiores polêmicas envolvendo o novo instituto de Justiça Penal Negociada, tema que já foi tratado em outra coluna neste ano, que você pode conferir aqui.

O aspecto que eu gostaria de abordar hoje é referente à extensão dessa confissão. A confissão para fins do ANPP deve ser o mais detalhada possível ou formal. genérica o suficiente para formalizar o acordo?

Como se sabe, o legislador optou por exigir a confissão como requisito objetivo para a negociação de um ANPP. O caput do art. 28-A fala que o investigado terá que confessar “formal e circunstancialmente” a prática de infração penal. 

Contudo, um detalhe que pode parecer pequeno, mas possui uma grande repercussão, é que, por mais que a Lei Anticrime tenha reproduzido em grande parte os dispositivos das Resoluções 181/2017 e 183/2018 do CNMP, que disciplinaram pela primeira vez o acordo de não persecução penal, o legislador optou por alterar um advérbio – as resoluções falavam em confissão “formal e circunstanciadamente”, enquanto a versão legal diz “formal e circunstancialmente”.

Por isso a importância de recorrer ao dicionário. Circunstancialmente refere-se a algo importante, mas que não é essencial nem específico, e se baseia em indícios. Circunstanciadamente é algo pormenorizado, detalhado, em todas as suas circunstâncias.

No caso do ANPP, isso significa que foi uma opção legal escolher uma confissão simples, podendo ser considerada acessória ao conjunto probatório colhido na investigação, para fins de se cumprir o requisito que permita a realização de acordo de não persecução penal.

Ao contrário do que vem sendo sustentado por parte da doutrina ou em alguns casos práticos, a confissão não deve ser um relato detalhado sobre os fatos. Não possui o investigado a obrigação legal de fornecer o maior número de informações possíveis à acusação, podendo confessar genericamente os fatos.

É claro que ainda haverá muito debate sobre essa questão. Mas, a meu ver, a alteração das expressões foi proposital, específica, detalhada, para não deixar dúvidas sobre a extensão da confissão exigida no ANPP. Foi uma escolha circunstanciada, portanto, e não circunstancial do legislador dispor sobre a extensão da confissão na forma como consta em lei. O que nos resta, desta forma, é seguir a lei e, na dúvida, consultar um bom dicionário para nos auxiliar a compreender melhor as minúcias da nossa bela língua portuguesa. 

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