Você está visualizando atualmente Remição da pena através da leitura
Photo by Pixabay on Pexels.com

Remição da pena através da leitura

A Lei n. 7.210/84 – Lei de Execução Penal (LEP) – disciplina, nos seus artigos 126 a 129, a remição da pena privativa de liberdade. De forma simples, remição da pena é o abatimento de dias da pena pela qual o sujeito foi condenado, através de uma contrapartida que, a depender da infraestrutura do local onde se cumpre a condenação, poderá se dar através de trabalho ou de estudo.

A LEP menciona estudo presencial ou por metodologia de ensino à distância, mas nada fala sobre remição pela leitura. Por isso, em 2013, o Conselho Nacional de Justiça emitiu a Recomendação n. 44, que dispõe sobre atividades educacionais complementares para fins de remição da pena pelo estudo e estabelece critérios para a admissão pela leitura. Destaco as seguintes informações, constantes no artigo 1º, V, alíneas “a” a “j”: a remição pela leitura deverá ser estimulada nas unidades prisionais estaduais e federais, assegurando que a participação do preso se dê de forma voluntária, sendo a ele disponibilizado um exemplar de obra literária, clássica, científica ou filosófica, a depender do acervo.

O critério objetivo para aferição da leitura será o prazo de 21 a 30 dias para a leitura da obra, apresentando ao final do período resenha a respeito do assunto, possibilitando, segundo critério legal de avaliação, a remição de 4 dias de sua pena e ao final de até 12 obras efetivamente lidas e avaliadas, a possibilidade de remir 48 dias, no prazo de 12 meses. Cabe ao Juiz da Execução Penal avaliar a resenha e decidir sobre o aproveitamento da leitura realizada.

Neste mês de fevereiro me deparei com duas notícias absolutamente assustadoras: a Secretaria de Educação de Rondônia distribuiu um memorando e uma lista de livros para serem recolhidos das escolas por supostamente conterem “conteúdos inadequados” a crianças e adolescentes. Depois da péssima repercussão da notícia, a medida foi revogada.

E mais recentemente, o governo do estado de São Paulo vetou uma lista de livros doados por 4 grandes editoras nacionais – Record, Planeta, Todavia e Boitempo, que fazem parte do Programa Remição em Rede, voltado ao estímulo à leitura em penitenciárias do Estado. Sem qualquer explicação, os 240 exemplares dos 12 títulos doados não foram remetidos aos estabelecimentos prisionais.

As organizadoras do projeto foram em busca de informações e souberam que na lista havia(m) título(s) que, “diante das novas propostas da gestão atual, não atende ao que se espera para a população atendida pela Funap”, sem informar qual ou quais obras seriam as censuradas. Segundo a Folha de São Paulo*, 12 livros formam a lista: “As Cartas Que Não Chegaram”, de Maurício Rosencof; “Vá, Coloque Um Vigia”, de Harper Lee; “Crônica De Uma Morte Anunciada”, de Gabriel Garcia Márquez; “O Estrangeiro”, de Albert Camus; ”O Fim de Eddy”, de Édouard Louis; “O Amor Que Sinto Agora”, de Leila Ferreira; “Bonsai”, de Alejandro Zambra; “Caderno de Memórias Coloniais”, de Isabela Figueiredo; “O Quarto Branco”, de Gabriela Aguerre; “Enquanto Os Dentes”, de Carlos Eduardo Pereira; “Cabo de Guerra”, de Ivone Benedetti; e “Paisagem de Outono”, de Leonardo Padura.     

A censura à obras literárias é intolerável num país democrático. E no caso da censura dos livros do Projeto Remição em Rede, como vamos crer na ressocialização e na finalidade educativa da pena se, além de se tolher a liberdade física do indivíduo, ainda se busca obstruir a liberdade intelectual? Pelo visto, ainda temos um longo caminho pela frente de amadurecimento institucional, valorizando verdadeiramente a educação e sem incorrer em intolerância e preconceitos. 

*Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/02/governo-doria-censura-lista-de-livros-de-projeto-em-presidios-de-sao-paulo.shtml?utm_source=meio&origin=folha

Deixe um comentário