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A importância do povo preto cuidar da saúde mental por meio do autocuidado

A minha convidada para a coluna de hoje é uma colega de profissão que conheci na faculdade de Direito da UFSC, e que escreveu um belíssimo texto sobre saúde mental a partir de uma perspectiva de raça e autocuidado. Leiam abaixo:

Resquícios de escravização e colonialismo, subalternização, animalização dos corpos, apropriação cultural, estigmatização das religiões de matriz africana, massa da população carcerária, genocídio da juventude, maioria das vítimas da guerra às drogas e da truculência policial, maioria das vítimas do Covid-19, necropolítica estatal. Essas são algumas das facetas e desdobramentos do que o povo preto, tanto do continente quanto da diáspora, tem de lidar diuturnamente, há séculos, em qualquer lugar do mundo.

Desde o começo da vida, muitos já recebemos lições de enfrentamento ao preconceito racial: aprender a se defender na escola, andar com a bolsa/mochila fechada e as mãos sempre à mostra, além de não correr dentro de estabelecimentos comerciais, não resistir a abordagens policiais, e mais uma infinidade que não cabe aqui. O modus operandi para saber lidar com a realidade, mesmo que não venha tão cedo, uma hora chega e torna-se praticamente automático, quase que intrínseco, e nos exige uma postura de quem constantemente carrega uma armadura para tentar ser menos atingido ou um escudo para se proteger.

Pode parecer exagero dizer que os negros não têm um dia de paz, ainda assim faço das palavras de James Baldwin as minhas ao dizer que: “ser negro e relativamente consciente na América, é estar em constante estado de raiva”. Assim, todo esse fardo por nós suportado afeta não somente o corpo físico, mas sobretudo a nossa saúde mental. Porém, nem o zelo nos é dado como direito, já que cuidados psicológicos não raramente são tidos como “frescuras” e consequentemente acabamos nos cobrando uma resiliência eterna.

A nossa existência por si só é um ato político, o que por muitas vezes nos coloca numa posição de constante imersão na militância, sem nenhum descanso. Contudo, a militância (por mais nobre e fundamental que seja às nossas vidas) adoece, porque o racismo nos adoece. E no meio disso tudo eu pergunto: onde fica a nossa humanidade, o nosso direito de, de tempos em tempos, pausar, se afastar e “futilizar” as nossas vivências?

Por isso pra você, pessoa preta que está lendo esse texto, eu digo: não se culpe por querer se cuidar, viver e aproveitar a sua vida, nem que seja se desligando de tudo só por alguns dias. Você tem esse direito… NÓS TEMOS ESSE DIREITO. Então sim, desconecte-se das redes sociais se assim achar necessário, ponha as músicas que você mais gosta e cante alto junto com elas, se exercite, cozinhe ou peça aquela comida que você ama e que te conforta, tome os seus drinks favoritos, acenda um incenso, medite, faça os seus rituais de fé e cuide do seu espiritual, leia aquele livro que está há tempos na prateleira esperando, maratone aquela série ou aqueles filmes, ligue para quem você ama e fique horas conversando. Faça coisas que te dão prazer. Ame e se cuide. Desanuvie a mente e em momento algum se sinta mal por isso. Permita-se sair dessa névoa, porque apesar dos horrores que nos atravessam e da realidade que o racismo nos impõe, existe vida para além disso.

Seguindo os famosos jargões que solidificam as nossas lutas, como “eu sou porque nós somos”, cada dia que passa somos obrigados a tensionar mais o debate e batalhar indo em busca do que acreditamos. E de fato nós somos o “ubuntu”, pois a mudança e o poder que o povo preto quer – e precisa – virá de si próprio, e não por outros meios.

No entanto, como canta Emicida em um dos versos de AmarElo: “se isso é sobre vivência, me resumir à sobrevivência é roubar o pouco de bom que vivi”. Nós precisamos ter discernimento ao escolher pelo que vale a pena lutar em nossas vidas; certamente o fim do racismo e o apoderamento do que é nosso é o ideal, mas não venceremos essa guerra se continuarmos adoecendo por negligenciar o nosso autocuidado.

Anelise Rodrigues Caetano

Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (2019)

Advogada

Membro da Comissão de Igualdade Racial da OAB/SC

@anelisecaetano

Dica da Semana

‘Black Parade – Beyoncé (Música)

Lançamento da maior deusa de todos os tempos – QUEEN B – da qual eu e Anelise somos super ultra mega fãs. Uma música digna da coluna de hoje, feita pela Bey em homenagem ao Juneteenth (19/06), data que marca o fim da escravidão nos EUA. A música exalta a cultura negra, desde as suas origens, de uma forma muito linda e intensa. Os lucros da música serão destinados ao fundo Beygood, de apoio a negócios conduzidos por pessoas negras. Como não amar essa mulher????

Ouça aqui: https://youtu.be/4EHbf5QUjNE

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