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A solidão da mulher negra nas carreiras jurídicas

Que título mais impactante, né? Só de lê-lo eu já senti o peso desse sentimento, dessa realidade e acho que muitos leitores e leitoras terão a mesma sensação.

O título foi escolhido pela Caroline Vizeu, minha convidada da coluna de hoje, que escreveu um texto muito profundo, impactante e necessário. Nós também nos conhecemos na UFSC, estudamos juntas, e Carol vem trilhando uma trajetória exemplar como advogada, representando a jovem advocacia, a advocacia feminina e a advocacia negra com maestria. 

A equidade de gênero, a representatividade feminina e a sua relação com o mundo jurídico são temas bem recorrentes aqui na coluna. E na minha vida também. Porém, é inegável a necessária intersecção entre o feminismo e o feminismo negro. Se já existe ausência de representatividade feminina no Judiciário, quem dirá representatividade feminina negra. E isso é absolutamente desconfortável, angustiante e precisa mudar urgentemente.

Tenho observado muitos movimentos louváveis de críticas, pedido de desculpas e ações efetivas em relação à ausência de participação de mulheres negras em eventos e cursos online na área jurídica. Mas espero de coração que essa não seja uma pauta passageira, de momento. Porque enquanto o racismo permanecer enraizado na nossa sociedade e nas nossas atitudes, a nossa vigilância e ação em prol da transformação deve permanecer constante.   

Fiquem agora com o maravilhoso texto da Carol:

Quem me conhece sabe da minha dificuldade de falar de mim mesma, especialmente das minhas dores. No entanto, há tempos algo vem me incomodando e eu deixei de externalizar por me limitar a pensar que seria uma dor individual. Repensei, e percebi que essa angústia certamente atinge a maioria, senão todas, as mulheres pretas juristas: a solidão da mulher negra nas carreiras jurídicas. 

Muito se fala sobre representatividade nos dias de hoje, ou melhor, na ausência de representatividade de pessoas negras nos espaços de prestígio, tais como protagonizando novelas, gerenciando grandes empresas, lecionando nas escolas e universidades, ocupando Cortes e tribunas, dentre outros. Eu poderia dispor linhas e linhas situando onde a representatividade negra é irrisória, porém minha intenção é direcionar ao habitat jurídico.

Trazendo a perspectiva de opressão histórica em razão da arquitetada hierarquia racial que privilegia brancos em detrimento de negros, a mulher negra está no maior campo de opressão social que paira entre o machismo, o sexismo e o racismo. 

Esse conjunto de fatores colaboram com a mitigação da autoestima de nós mulheres negras, que perpassa, inevitavelmente, pelo âmbito jurídico. Ser jurista e negra em um país naturalmente  machista e estruturalmente racista faz com que a mulher negra, enquanto profissional, precise diariamente construir e reconstruir a sua autoestima, em razão da falta de representatividade nos escritórios e tribunais. 

Muito embora as mulheres representam quase 50% dos advogados do país, o percentual de mulheres em altos cargos da advocacia é baixo, e quando se trata de advogadas negras esse número é ínfimo e até desconhecido. 

Ao falar da solidão da mulher negra naturalmente tendenciamos à invisibilidade da mulher afro brasileira nos relacionamentos afetivos, porque, a grosso modo, não é vista como um sujeito a ser amado, sequer notado, cenário do qual foi herdado da histórica estigmatização do corpo negro feminino, uma vez que, além de não se enquadrar ao então aceito padrão eurocêntrico, o corpo negro é hipersexualizado. Mas não se limita à essa conceituação, pois tratar da referida solidão é falar da autoestima desta mulher nos mais variados campos de sua vida. 

O fato de não termos mulheres negras no meio jurídico (escritórios, fóruns etc) faz com que a mulher preta (as vezes a única no ambiente) procure se embranquecer para tentar se enquadrar ao ambiente predominantemente branco. Eu, por exemplo, por muitos anos deixei de aceitar a minha verdadeira identidade visual pelo medo de não ser aceita nos ambientes nos quais eu não me via representada racialmente, pois sempre fui a única, ou uma das únicas, negras nos espaços institucionais. Essa circunstância fazia com que eu frequentemente me julgasse inferior aos demais, convencida de que estava “infiltrada” naquele meio. Justamente por isso que me agarrei às artimanhas fajutas que ilusoriamente me faziam sentir minimamente incluída. 

Muito disso, por carregar comigo o iminente medo de ser vítima direta de um ato racista e não ter com quem me unir e compartilhar essa dor. Porém, os atos racistas acontecem inevitavelmente, quando se vê a reação de clientes por verem que não és branca, quando em audiência o Juiz não te identifica como advogada, ao ir ao Fórum sozinha e ter que provar ser advogada para ter autorização para entrar, ao revés de ir acompanhada de um(a) advogado(a) branco(a) e não haver essa interpelação. O acúmulo destas situações, que são em sua maioria sutis, fomentam a sensação de invisibilidade e exclusão. 

Diante de todas essas circunstâncias as advogadas negras que se encontram neste texto precisam reunir tijolos para que cada uma possa construir o seu próprio império, mediante as circunstâncias que a circundam, partindo de sua própria realidade. Assim, autodefinir-se, encontrar um eixo em si e ver quais são os meios disponíveis para seguir firme na profissão e chegar aonde se quer chegar são preciosos tijolos desta construção. 

Caroline Vizeu

Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC (2018). Advogada com atuação em Cível. Pós-graduanda em Processo Civil pela Faculdade Damásio Educacional. Presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB/SC.

@carolvizeuu

Dica da Semana

Quem tem medo do feminismo negro? – Djamila Ribeiro (Livro)

Que eu sou fã da Djamila não é novidade pra ninguém, do tanto que já falei dela nas colunas. Porém, é em razão da grandiosidade, qualidade e acessibilidade do trabalho dela, tanto de linguagem quanto de preço, que hoje eu vou indicar outro livro dela por aqui, que nos ajuda a entender um pouco melhor o conteúdo, o embasamento teórico, fático e toda a verdade por trás do texto da Carol.

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