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Sobre se ouvir

Tem tempo que não sento em frente ao computador para escrever em primeira pessoa. Sem pretensão, sem uma meta, apenas me permitindo sentir e ver as palavras fluírem e ganharem vida. 

Tem tempo que sinto essa vontade de retomar esse meu lado, mas por algum motivo ela é sempre abafada por qualquer outra necessidade, das mais urgentes às mais triviais.

Hoje não. 

É domingo início de tarde, estou sentada no meu quarto, na minha poltrona desproporcionalmente gigante (mas tão confortável), com a Logan ao meu lado (minha gata cinza, para quem não sabe), a cama desamurrada, um ceú azul e um sol delicioso tocando a minha pele. Um silêncio permeado por barulhos de passarinhos, latidos e um carro ou outro passando. 

Bastaram essas poucas linhas para que os meus olhos se enchessem de lágrimas. Hoje não é um dia especial, não estou me sentindo particularmente de nenhuma maneira digna de nota, estou até um pouco resfriada. Mas venho fazendo um exercício cotidiano de me permitir apenas sentir, viver o momento, sem hiper racionalizar, sem tentar explicar tudo, sem reprimir nada, sem julgar.

Se nos últimos meses você foi uma das pessoas que me perguntou como eu estou, e eu genuinamente te valorizo por algum motivo, é muito provável que eu tenha respondido que estou vivendo uma fase muito diferente da minha vida. 

Abracei com intensidade a incerteza. Tenho vivido e experimentado muitas coisas pela primeira vez. Voltei a me reconhecer quando me vejo no espelho. Passei por um período em que minha auto-estima pessoal, acadêmica e profissional quase se esvaíram pelo ralo, sem importar o que qualquer pessoa me dissesse, ou qualquer resultado positivo me mostrasse o contrário. Não quero falar sobre a sucessão de motivos que me fizeram chegar a esse ponto. Quero falar sobre a experiência de sair dele, e sair de uma maneira completamente livre, sem expectativas, sem projeções, um dia de cada vez.

Para uma pessoa que sempre teve a sua vida toda planejada, é difícil se entregar ao acaso. Na verdade, é difícil se entregar e ponto. Tem um lado da minha personalidade que é resolutivo, obstinado, organizado, detalhista, pragmático, pró-ativo, o que torna viver sem saber o meu próximo passo um desafio tremendo.

Mas ao mesmo tempo interessante porque me permite simplesmente viver com aquilo que a vida tem para me oferecer no momento. Seja poder tomar café da manhã a hora que eu quiser, não dar satisfação para ninguém, passar horas e horas obcecada por documentários sobre esportes (o que inclusive recomendo), levar uma vida saudável, descansar dos estudos a ponto de sentir novamente vontade de estudar, e simplesmente refletir sobre o que realmente me move.

Será que é só me dedicar à trajetória linear e em ascensão que eu vinha vivendo? A advocacia me basta? A vida acadêmica? Exercer meu papel de filha única? Ser “mãe bichológica” das minhas gatas? Sucesso profissional e financeiro? Ler não sei quantos livros por ano? Quem é a Luísa sem estar amarrada a esses estereótipos arraigados na descrição de quem eu supostamente sou?

Não é fácil descobrir, diferenciar o que faz meu coração bater e o que faço somente porque estou acostumada a fazer.

Tenho vivido um ano diferente. Sinto que a minha relação com o tempo mudou. Antes ele só passava num piscar de olhos, antes eu apenas reagia automaticamente ao excesso de demandas sem me perguntar o que eu realmente queria, ou melhor dizendo, usando a expressão que a minha psicóloga sempre usa, sem me perguntar: “faz sentido isso para você?”

Por muito tempo acreditei que tudo o que eu fazia em algum momento faria algum sentido. Até que todas as raízes que faziam a minha rotina ser o que ela era foram se desprendendo uma a uma. O que me permitiu enxergar que, na verdade, nem tudo aquilo fazia sentido. 

Algumas coisas até sim, só me faltava a consciência e estar presente ao fazê-las, e não no automático. Outras apenas me afastavam da minha essência, de quem eu sou, algo que foi se perdendo nesse processo.

Sou grata por enxergar tudo isso. Por poder pisar no freio, reorganizar a vida e dar meus próximos passos com consciência. E pode ser que esses passos não sejam grandiosos. Pode ser que sejam simplesmente desfrutar do sol no meu quarto novo, sentada na minha velha poltrona vermelha desproporcional, escrevendo estas palavras, sem programação, deixando a vida e meus pensamentos fluírem. 

Mesmo que não sejam passos tradicionais, esperados, lógicos, desde que me levem em direção a um cenário em que eu siga me ouvindo, honrando minhas vontades e desejos e construindo uma vida que faça sentido para mim, seguirei em frente. E você, já se ouviu hoje? 

P.s.: obrigada a minha amiga Lisi por ter me dado de presente no meu aniversário do ano passado o livro “Como se encontrar na escrita: o caminho para despertar a escrita afetuosa em você”, da Ana Holanda. Obrigada a autora por ter me auxiliado a acessar espaços dentro de mim que me são tão caros e estavam há muito adormecidos. Esse lindo livro é a minha dica de hoje 🙂

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